sábado, 29 de setembro de 2012

Sem Ser



Quando penso em mim
Não penso como sou
Penso como penso que sou
Quando penso em ti
Não penso como tu és
Penso como penso que tu és
E neste tanto pensar e nunca ser
Não somos nada ou tudo
Pois mais me agrada
Pensar-te como te penso
E um outro eu também


                                           Vinícius Faria

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Solúvel


Nestas águas metálicas, aceitei o banho por todo
E o meu corpo se desmanchou como um sopro
Vagando pedaços por teu encontro
Entre as noites vagantes vazias
E minha alma, tal qual o corpo, se desfez em cubos
De chumbo
E voou com a incerteza
Não te cheguei completo

Teu olhar fugiu em inconstância
Desdobrou minha ância
E a minha parte roubada pela incerteza
Foi a pluma que te tocava nos tempos do acaso
Em uma espelhada fonte metalica e etática

Como água, não paro montado, dissolvo
E escorro pelos ralos dos quase lá
Vislumbro, às vezes, só teu vulto e outros tantos
Tenho casa em casa e na casa já não caibo
A rua tem três corações e ainda rouba o meu
Frente a tua inconstância que me desintegra
                                                      
                                                          Vinícius Faria

O que está dentro como o que está fora


O tal desespero recorrente parece que volta.
E se pessoas estiverem andando lá fora?
Olhe! Estão escarnecidos, de lábios e dentes à mostra.
Cinco já quase faz  – seria da corda ou do chá a hora?
Oh... E o que importa?
Nada nos apraz.
Nunca haverá um Brainiac para encolher e para longe minha Kandor levar
Enquanto a sorte de Wayne herdei para logo tão cedo e pequeno tudo herdar.

Sábios olhos a ler em um duelo humano,
O engano do ocidente.
Que há de ter um perdedor, porém, nenhum ganhador pendente.
Para Zoroastro, os costumes em desfacelação.
O não-contraste e o não-opor.
“Que bem e mal então existirão?”
Eis que de seu nome não grego, um livro já foi feito.
Nada faço aqui senão um indicativo à ponte.
E como Kikazaru, Iwazaru e Mizaru unidos em um,
O homem parece ser ao saber que o saber tem fonte.

Muitos estão estupefados e por janelas espalhados
Cada qual com sua devida dose diária de dor tolerável.
E a pesada chuva bate como a imagem de um futuro descartável.
Afável falsa doçura do hoje e do aqui consumados.
Que o abstrato vento chamado tempo sopre para longe nossas secas vidas em movimento fleumático, preguiçoso e destento.

                                                  Cesar Domity

A Recursividade Humana


                                                                          (parte I) 
       Os cinco saíram do teatro diretamente à cobertura de Verno, na própria Viena. Este era o único de todos que já nascera em nobre família e, quando logo tão cedo completou a idade da razão, tudo teve para si com a morte dos pais.

No apartamento, dirigiram-se ao quarto e ascenderam velas e incesos.
- Sabem qual a magia das velas? Nossa humanidade não perde a visão do físico, mas prioriza o íntimo, o intocável, o véu de nossas consciências...
Em um salto, Selino põe-se de pé com costas e joelhos curvados como uma velha bruxa a conjurar um antigo feitiço vocálico.
- É de minha mente imatura para a eternidade que o homem pode delir de mim o ser que penso ser como nenhum ser poderia fazer.
Riram-se embebidos pela noite e pelo vinho como fazia por quase todo comentário. Há dois anos que Verno reuniu Marie, Anne, Selino e Pierre para formarem um grupo de teatro. Exceto Selino, todos já haviam escrito peças e poesias. Anne e Pierre também haviam escrito um livro de romance em conjunto.  
- De volta ao capítulo “Deduzindo os Demasiados” – inciou Pierre - há algo que não escapa às mulheres: Absorvente interno ou externo.
- Certamente. Um presságio dos relacionamentos. Acrescentou Selino.
- E como os relacionamentos devem ser.
- Se há algo que aprendi com Krishnamurti foi que tudo deve ser leve, sem conflitos, sem interferências, delineável....
Obstando as palavras de Verno, Anne pronuncia em meio a gesticulações enquanto serve-se mais vinho.
- Por obséquio, caros amigos,  como se pudéssemos algo dizer disso. Nós, os mortais solitários, caso soubéssemos os itinerários que os relacionamentos devem ter, não estaríamos sozinhos.
Pierre e seu rosto estático de escárnio prosseguiu em lentas e altas palavras.
- Não é porque sejamos péssimos, digo, péssimos em didática, que não saibamos o que queremos ensinar.
- E o que tu queres, Pierre? Aquilo que realmente queres? Aquilo que tua alma clama, anseia e implora para o mundo?
Entrementes, Marie aproximou-se como uma cachorra até Pierre, como se quisesse sentir o cheiro de cada reação do seu corpo, escutar cada medo e puxar até o mais ínfimo valor de toda a volúpia humana encerrada em Pierre.
-  Os humanos são surpreendentes quando surpreendidos.
Riram-se novamente como de costume. Pierre tomou uma faca que estava na mesa e como um guepardo em um ataque preciso, deita Marie enquanto seu corpo mediano pressiona o dela no chão de madeira e a faca toca seus lábios pequenos e delicados que por si só já serviriam para dar uma beleza inconfundível a ela. Por outro lado, o apelo visual da beleza da Marie era por todo cruel e sádico. Os gestos suaves e demasiadamete femininos pareciam sempre estar pintando o mundo com uma arte de intenso desejo e desespero enquanto, ao mesmo tempo, pareciam paisagem, algo que se desenrolou proposital e necessariamente como o fade out de um traço de pincel.
Marie, com a suavidade já citada, apertou as pálpebras e usou sua fina língua para deliciar a visão de Pierre passando-a pela lâmina prateada.
- Há quem diga que duas coisas atraem verdadeiramente o homem: O perigo e o jogo. Desta forma, sou a personificação do desejo, o jogo mais perigoso que se pode ter.
Pierre, com seu drama característico, levantou-se de supetão e arremessou a faca no alvo de dardos pendurado na parede.
- Disperdício de folhas e tinta é discorrer sobre mulheres.
À deixa de Pierre, Selino prosseguiu.
- Imaginem como seria se o mundo fosse, desde os primórdios da arte, majoritariamente matriarcal. Será que os grandes artistas seriam mulheres? Será que teríamos obras imensas sobre o homem e a natureza amorosa deste?
-  Com a organização mental feminina? No máximo que teríamos era uma mundo limpo.
Disse Anne enquanto mexia em uma gaveta. Selino alisou o rosto e refletiu em voz alta.
- Um mundo como a cozinha de nossas mães...
Voltando-se para o público, Anne disse com voz macia:
- Um revolver...
- É de verdade?
Apressou-se Marie.
- Obviamente que não. Eu o uso porque gosto de pensar na emoção das chamadas roletas russas.
- E esta aqui dentro indicará quem perdeu com algum barulho?
- Exatamente.
Todas se encabularam um pouco até que Marie voltou a falar.
- E por que não jogamos?
Marie girou o tambor e o fechou ainda em movimento. Deslizou a língua do guarda-mato até a massa de mira, inseriu o comprido cano dentro da boca em meio a insinuantes vai-e-vens característicos dos exercícios sexuais orais e apertou o gatilho. Um estralhido seco pode ser ouvido.
Pierre olhou assustado para Verno.
- Dê-me isso.
Em seguida, levantou-se, trancou a porta, engoliu a chave e sentou-se. Todos riam.
- Eu reconheço muito bem armas. Meu pai era perito. Pena que não estarei aqui para ver o desenrolar desta festa. Espero que degustem o vinho e os próprios medos.
Pierre tocou com os dedos no próprio peito, manteve o revolver na distância de dois punhos e puxou o gatilho duas vezes até que se ouviu um alto baque e se pode ver o buraco de um escuro vermelho em seu peito pequeno.  

                                                         Cesar Domity