E na velhice essa que eu serei
Sentirei enfim existir
No compasso lento do fim de tudo
Falhar-me-á então a memoria
Como falha agora
E não lembrarei mais do corpo
Da menina de outrora
Feita mulher em meus braços
Tão minha foste toda
Tão toda morta está neste agora
Doravante morrerei aos poucos
E escreverei aos montes
Talvez os temas que antes estes me encantem
Assim como este agora encanta
Ver-me-ão com o peso da nostalgia
Rebentando-se em um só nó na minha garganta
Talvez na velhice não sinta medo da morte
Nem da vida
Tão pouco medo de não viver a vida
Sentirei portanto, talvez
De ler tudo que escrevi
De ver tudo que pintei
De saber tudo que saberei
Errar-me-ei na vida trombaleando os passos
Perdido no espaço, vazado no tempo
Que nunca parei sem fotografar
Em meio a neblina do meu passado
E a fumaça toxica da velhice
Verei o navio da minha vida zarpar
E mesmo sem alguém que questione
Minha alma responderá
Diante da luz na porta
Do fim do fundo do corredor da existência
Não quero que por mim passe
P’ra que rasgue o fim da estrada
Toda minha vida frente aos meus olhos
querei eu então do âmago do meu ser
No centro do meu mundo
Ver a minha vida rebobinar-se e o tempo regressar
Verei eu proprio despintar meus quadros
Desescrever meus textos
E tudo mais se desfazer ao meu redor
Todo um dia será um segundo
Num retrocesso de embrulhar o estômago
E saberei o tom das coisas vistas
Começadas pelo fim
Da velhice voltar-me-ei à infancia
E verei a mim no fim da vida
Acalentando-me novamente
No útero de minha mãe.
Vinícius Faria
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