sábado, 22 de fevereiro de 2014

Tenho que Fazer Meu Dia

Acordo cedo.
Tenho que fazer meu dia.
Tenho que ser meu.
E mais do que isso:
Sei que tenho que fazer meu dia.
E sei que sei de tudo isso assim que acordo.

Por que não paras relógio?
Por que não posso eu puxar anti-horariamente o teu ponteiro?
E fingir que não é ainda a hora que eu sei que é.
Ora! Mas que grande bobagem. 
Se não fosse essa hora, seria outra.
E eu teria que fazer algo também nessa outra hora.
E mais do que isso é saber estar fazendo ou saber ter que fazer.
E isto é como uma fadiga, mas não de ter que pensar no meu dia,
E sim ter que pensar em fazer algo, e a consciência de ter.

Pobre do que fala em liberdade.
Mas mais pobre ainda a mente metafísica.
Dar um sentido para a vida é anular a liberdade como consequência.
E mesmo que o sentido seja a liberdade,
Não é algo muito livre ter que ser livre.

Pois então, decido agora, nesta manhã, que não há metafísica na vida.
Que a vida não tem sequer um sentido que seja.
Nego agora todo o sentido da vida.
E, por conseguinte, acabo de afirmar que o sentido da vida é não ter sentido para dá-la.
Raios!! Isso ainda é uma metafísica. 

                                                                        Vinicius Faria

Ciranda

Numa volta qualquer
Possivelmente reencontrarei você
Porque silenciosamente tudo pode repassar
Atrás das praças, das casas e das cidades.
Atrás de todas as intenções
E eu cuidarei disso com sigilo
Carinhosamente como quem afaga um gato
Cuidarei disso como um olhar o ontem
Até como que novamente canse de mim

Eu acordado debaixo das cobertas até tarde
Os domingos com você tem sempre a mesma promessa
E o seu vestido jogado na poltrona
Falando comigo
Então você sai pela porta
E eu saio de todas as portas
De todos os lugares onde eu estive
E tudo de novo torna-se sumido
Tudo de novo torna-se invisível
E o novo, tem de novo, uma nova porta.
Até que isso seja aquela coisa por onde você olha o ontem


                                                                                         Vinícius Faria

Poema Forçado

Parada és um amontoamento de pixeis
Presa entre nosso entendimento de tempo e de espaço
Forço o que escrevo e vejo-te nua com espasmos
E por entre o macio cio da tua carne, não posso...
Evitar de pensar formas estranhas para teu sexo
E quem ler agora terá que saber do esforço que faço
Para ver-te nua, para cantar na folha o que vejo.
Que eu imagine por entre os panos que te arranquei
E te abro com faca branca para por entre teu intestino
Fígado, pulmão e pâncreas possa falar, tudo púrpura,
Do que hipoteticamente chamas de coração
Onde tu guardas o que tu pensaste que tivesse
E que queria que eu visse
Viu, eu disse que não se força um poema


                                                                                      Vinícius Faria

Quadros

Pintas o quadro que te derem
Mas não o manches com a tinta que tens
Há tantos quadros para serem mais belos
Na distinção entre manchados e imaginados

Nem cria para teu regalo
Parede para os quadros que te derem
Nem coloca fora os que tens
.

Penduras-te de tua arte tu mesmo
As paredes mesmo as tuas são sempre aléias
Então pinte e só
E se puder nem em pintar pense



                                                                                       Vinícius Faria

Agora

Agora que eu estou morto
Não morro mais
Agora que acabou
Não acaba mais

Agora é perene
É calmo é preciso
Agora levemente flutua
O que tem que flutuar


                                                                                          Vinícius Faria