Momentaneamente um espectro
diferente reteve-me de tal maneira que, apesar de evocar como ideia primeira a
sensação de estranheza, de algo extrínseco, de um envólucro, de algo que não é
essencialmente provindo de mim e que de tão extasiante poderia me fazer sentir
asfixiado, pareceu-me uma emanação de qualquer coisa a qual eu até então
desconhecera, a qual lentamente foi sendo criada interiormente e que só nesta
instância última pode manifestar-se.
Estive um pouco preso nestes
meses anteriores ao sofrimento repetido de um definido passado que
constantemente revisitava de forma que pouco atentava-me aos demais passados
contemporâneos deste. Talvez tenha-me retido em um antro - e isso não foi algo
significativamente fácil de considerar como ocorrente pois por diversos anos
consegui fazer separações eficientemente satisfatórios (ou convenço-me disso)
dos meus prazeres e demais vida sexual a qual possuía somente dois polos
passíveis de visitação – o dos meus terrores e dos meus deleites. Além destes,
não havia sexualidade ativa em mim. Todo o resto parecia estar em putrefação. O
polo de terror envolvia minhas frustrações como ser sincero, os enganos os
quais sofri, todos aqueles e aquelas que já a tentaram possuir, os e as amantes
possíveis, reais ou apenas hipotéticos dela, todo o pavor que me atingia
certeiramente ao rever alguma antiga informação, ao perceber algum detalhe
ainda inexplicado, ao notar alguma falha de voz que me havia passado
despercebida e que só então assemelhava-se a ponta de um novelo que ao se
desenrolar teria no cerne uma mentira facilmente reconhecível e, por detrás
dela, uma verdade fatalmente mortal. E eu ouvi detalhes da própria boca dela.
Todos eles puniam-me constantemente e, antes deles serem colocados de forma
organizada, havia tamanha dor dilacerante que, embora depois tenha esta
sensação se espalhado e convivido comigo regularmente, ela era mais suportável
– menos agonizante, digamos – que aquela dor pontual e incessante. Em muitos
momentos, apenas o polo de terror tinha poder de me excitar. O do deleite, que normalmente é bem
reconhecido até por pessoas comuns, tinha uma singularidade em mim: Ele era
exclusivamente físico; livre de contexto. Baseava-se apenas em imagens,
movimentos de curta duração (geralmente repetitivos ou metalmente eram
projetados para repetirem-se mesmo que isso não estivesse de acordo com os
dados mnêmicos), posições em algum lugar específico e detalhes em geral.
Hoje, diferentemente, acabei
por sentir este espectro emanando e envolvendo-me com a origem no meu interior.
Fui diretamente para estes passados específicos e resolvi olhar em volta.
Acabei por notar diversas sutilezas as quais haviam praticamente esquecido.
Toques, inclinações, suavidades, relevos... Quer dizer, eu realmente precisei
de um recurso muito mais forte que minha memória, que é tão somente construída
por ideias e sesações – como diria Joyce -, e revi descaradamente nossas cenas
que estão eternamente gravadas até serem esquecidas em um sopro da existência
(e com isso quero dizer: perdidas; voluntariamente ou não). Tive algo
difereciado que apartava-se de todo meu capricho patético de outrora cuja à sua
superfície evocava só vez ou outra um diminuto de semi-felicidade; neste algo
de agora, senti satisfação.
A partir disso, não pude fazer
algo a mais por mim. Eu estava quase como livre de mim. Parecia, com efeito,
que olhava-me distante ao mesmo tempo que olhava para o que está distante; como
se o tempo todo eu estivesse inclinado em uma janela e, distraidamente,
abanasse para este outro eu que ia pelos caminhos curvos e longínquos das
montanhas do horizonte. “Siga a trilha e boa aventura, meu amigo!”, gritei-lhe
e ele, por sua vez, sorriu como só se sorri à felicidade e disse para si
“mas é bem um bastardo mesmo...”.
Cesar Domity
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