sexta-feira, 4 de outubro de 2013

É Cedo Almoço

É cedo almoço
Teve festa. Não
Mas o almoço tem. Tudo bem
Ontem estava estranho, ontem era estranho
Que lugar e a fadiga, ter que vestir a camisa...
Mas que identidade tem? Querida, leva a realidade daqui
Antes que toque a porta do banheiro
Tem pombos na janela, aves do porteiro
E o xadrez monocromático da dispensa
Pensa... dois pingüins sorrindo na geladeira
Podia ser outra hora, a pedra inteira
Dorme de novo, querida, há dor de cabeceira
Criado mudo, tem sol lá fora
E não incomoda os grilos de cera
Abro a porta e estou preso
Lá fora não tem nada...

Diz aguada qualquer coisa de café
É qualquer coisa de preguiça, querida
Seria outra você e você qualquer outra
Seria a mesma qualquer coisa da vida
Jornal de esquina, poste
E frase repetida
Órgão interno e arrebate
Algo que bate, omelete e coração
Tem horas aí?
Tem dia em promoção
Tem morte em leilão

Tá, querida, eu vou sair
Eu vou sair
Lá fora sem fora
Porta indiscreta, via reta
Mas que preguiça; realidade, vai bater na porta do Mauricio
Desde o inicio toda errada; desde a menarca, confusão
Camisa, botão, para, querida, deixa que eu arrumo a camisa
Veste a parede e conversa com ela; alegre da vida
Não estorva, não diz sei lá, a cama
Avião, china, canção
Sai do banheiro, sai do mundo inteiro
Deixa-me quieto de assoalho
Z
Papel branco
Não, não faz
Não diz
Não corre

Põe uma tampa no teu útero
No sofá listrado da maçã
Amanhã, amanhã, amanhã
Eu sei vou vestir a camisa e sair
E cair
E rir do meu umbigo
Oh, céus do meu umbigo
Dor de realidade comendo os domingos
Essa camisa é verde
Eu disse a azul
Metafísica das camisas
Metafísica palhaçada
Parede
Nada
Realidade, tu nem existe
Tá bom, querida, fecha a camisa
Eu vou sair

                                       Vinicius Faria



Metástase

Ouvi dizer que não mais é livre.
Que já se acalenta em um canto quente.
E nega até o que nega para que o pão te chegue quente, com geléia, frutas e xícara de porcelana.
Ouvi dizer que te guarda em uma caixa aveludada.
Ouvi dizer que pisas na umidade para não fazer barulho.
Ouvi dizer que não mais se vive, somam-se dias aos dias que você divide.
Que é com papel de dinheiro que você forma a sua imagem, 
E a de vir ser com o sossego de não ser, tão pouco viver, mas ter.
Que as graças que te chegam quando adulto estupram as crianças que foram
Ouvi dizer que ficas mudo ao barulho que faz
E que não há az nas mãos que te jogam, só nas mangas.
Ouvi dizer que as engrenagens que te puxam a tempos tantos deixaram de ser orgânicas
E o que move essas cifras engrenagens metálicas são sangrias a base de sanguessugas noturnas
Ouvi dizer que te deleitas no deleite como um enfeite de cabelo
E que te toleras como um cão de fazenda que é propriedade do capacho, a serviço de nenhum dono.
E que aos outros olha com um sibilar 
Que no domingo de manhã escuta opera
E nas noites canta maldições de insônia
Ouvi dizer que dormes em tocas amontoadas, como copas de árvores.
E que vem sereno o vento que quebra as tuas artes 
Dobra os sorrisos em sobras de movimento cutâneo, para o automático das horas.
E que já morre muito antes de ter vivido

Poema Olhando uma Menina Síria

A menina brinca
Pés descalços entre as pedras
Entre os desertos na sépia
Corre, entre outras crianças
Têm jornalistas, alguns em zig-zag,
Como moscas

Brinca na margem externa
Do seu país
Na margem externa do seu povo
Na margem externa de onde esse mesmo está

Que está encurralado, racionado
Sufocado pelo deserto
Sufocado pelo sol
Sufocado pela areia
Sufocado pelos dias
Sufocados pela química
Mais num canto ainda...
Que em um canto
Excessivamente em um canto
em si
E
eu também, desumano

Sufoco-os mais ainda com esse estúpido poema

Vinicius Faria


Ligação Física

Estou amarrado à vontade e ao tédio
Ao silêncio e ao desanimo
Ao cansaço de chuva lá fora
E a prisão de pessoa de casa
De pensar e ser meu esse dia
E ter que valer a coisa que eu faça
Preso a hora que passa
E parece ser sempre à mesma hora
Estou ligado à gravidade da vida
Coisa automática que se move
Mesmo estando eu parado
Na coisa de existir e ser humano
Sem descanso e sem férias
De ser navio e não haver portos
Mas sempre haver vento
De ser folha de inverno
Sem chão para cair

                                                 Vinicius Faria




Vulto

O vulto que te manchas
Eu mesmo coloquei.
Aonde montei minha guarda
Fiz sombra.

Mudo, agora evoco
As cores invisíveis
Que imaginei.

Sobra corpo e túmulo
Sem um único epitáfio
Para uma morte
Que não houve


                                                Vinícius Faria