III
Acordei com a aurora que iluminava a geada sobre
as plantas rasteiras e dirigi-me para fora de casa para assistir o nascer do
sol.
Tudo estava como uma belíssima primeira manhã de
primavera que ainda traz o frio do inverno. Mamãe a cozer e a coser. Passava do
fogão à máquina de costura vez que outra.
Pensei em Bismuta. Da última vez que Seu Cândido me viu
ali, castigou-a severamente e deixou-a, por longo tempo, do lado de fora
afirmando “queres conversar com o analfabeto do teu primo Túlio? Queres
conversar com as pessoas? Então saias e fique! Porventura te trancas em casa
para aporrinhar-me? Tu tens o dia inteiro para sair e ver as pessoas, mas
preferes de noite, não? Pois bem, fiques aí!”. Neste dia ela ficou na porta
chamando suavemente “Pai... Pai... Pai”. Havia ele dado outros castigos
horrendos. Bismuta, dolorida e com marcas roxas pelo corpo, mal se mostrava
pela janela. Certa vez, o olho direito tornou-se túmido. Não sei se a verei
hoje...
Quando me aproximei da parede externa, do lado
da casa, onde havia meu quarto, avistei a boneca da Bismuta chamada de Juli,
exatamente abaixo do meu quarto. Corri nesta direção e junto meus devaneios
arquitetavam teorias. O pai dela não se zangou e ela veio procurar-me agora
pela manhã, a ser assim, por que não bateu à porta?
Fugir de casa? Não... Bismuta nunca faria isso.
Em todo tempo reteve moralidade.
Segurando Juli, percebi algumas pedras na chã a
frente da madeira da casa. Sim! Ela quis me chamar sem minha família vê-la!
Jogou pedras; muitas delas... Então, apressei-me para a casa dela.
Alguém vinha rápido em raivoso galope em minha
direção. Seu Cândido! Escondi-me imediatamente. Logo que passou, continuei
minha sina enquanto devaneava. “Garanto que Bismuta queria ver o nascer do sol
comigo”. Estes são os momentos que ela parece falar com alguma potestade da
natureza. “Ela é perfeita, não achas?” Tão-somente concordava. “A Terra é linda,
inimaginavelmente linda; os homens a estragam, a enfeiam”, continuava ela.
Quando nós víamos o sol ela prontamente se espreguiçava e suspirava “Mais um
dia, mais uma vida”.
A partir do momento em que a conheci, desejei
que o pai dela quisesse noivar-lha comigo. Além de tudo, eu a amava. Hão de rir
com esta tolice, não obstante, era um sentimento inocente, eterno, mental,
meigo, afável, transcendental, único e docíssimo. Bismuta discordava “amor puro
é aquele que temos por tudo ao mesmo tempo e amor por um é efêmero”. Eu nem
sabia do que ela falava ao certo. Papai certa vez contou-me “ela tem uma alma
velha, meu filho”. Aos olhos, não parecia.
Sentada e encolhida na frente da casa. Acolá
estava.
- Prima!
Não obtive resposta.
A porta da casa escancarada e Bismuta ao lado,
abraçando os joelhos com força. Não estava agasalhada, e poderia ficar doente –
menina boba -. Fazia muito frio.
- Eu trouxe a Juli.
Sentei-me ao lado e observei que seus olhos
estavam pálidos e secos. Sua expressão vazia e o corpo imóvel. Toquei-a para
ver se estava febril, mas a senti mais gélida que o orvalho noturno.
Minha alma, igualmente, congelou.
Cesar Domity
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