Os ditos caíam e rolavam naquela manhã. A azáfama da população era insípida; sem graça; desgraçada. Os senis, insossos em demasia, não se atreveram a sair de casa. A dor, esta sim, estava sendo compartilhada como pão.
Mesmo se tentasse, seria possível que
eu ficasse preso em minúcias para explicar-lhes quem foram estes dois. Os fatos
falaram por si.
Henrico Cândido, um pobre desalmado,
não havia maneira alguma de ser mais negativo. Bem afeiçoado - há quem
contrarie - há não muitos anos atrás, no
que tenho em minhas reminiscências pelo que me comunicaram, arrumou certa
confusão com uma rapariga lá de outras estâncias, todavia, longe não daqui.
Nesta aragem, a moça engravida. O capitão Terroso, pai da moçoila, mandou que
procurassem o Seu Cândido, que era como o chamavam, logo após o nascimento da
criança. Ele ficou aturdido. Não por agora ter uma filha, que portava todos os
charmes e doçuras da infância e toda inocência, mas sim porque o pai mandara
matar a Rosinha, exemplificando para as quatro irmãs o erro e o castigo por ser
promíscua.
Seu Cândido dizia “todo bebê é feio” e
“Mulher se apruma aos doze e então se deve de casar”. Doravante, pensou,
poderia controlar a vida de alguém e ensinar o que é certo.
Não tendo mais que trinta, meão, moreno
“cor de cuia”, olhos pretos como o salgado de uma noite sem lua, com muitas
moças perdidas ao seu encalço. “Mulher é diversão”, dizia nos bares. Muitos o
achavam o pensador da cidadezinha. Logrou ficar um tanto famigerado, outros o preferiam
um justiceiro.
Naquele fim de ano de 1829, a menina não teve
nome. No seguinte, chamou-a de Bismuta.
Ao passar de tempos, via-se amiúde Seu Cândido,
com sofreguidão, deleitar-se com alguma soeza bebida. A menina crescia.
Bismuta era assaz esperta; não diria esperta,
talvez inteligente; ou nem isso; digo sábia. Um exemplo de magnanimidade e
muitos perguntavam “de onde ela sabe isso ou aquilo?” E poucos respondiam com
algum “não sei”, enquanto outros nem isso.
- Por que não sai de casa, Bismuta?
Sussurrou seu envelhecido pai, quase
bêbedo e não por um copo a menos, e sim pela vida que o embriagava. Algumas
noites, ele bradava em terror de sexta “ela está me matando!”
Os desacanhados certeza tinham que se
tratava da filha. Nos bares afirmavam que ele fazia alusão à vida.
- Não quero ver as pessoas, papai.
Se bem me recordo, ela já havia vivido
seus lá seis invernos. Uma vez quando fui visitá-los, ela havia me dito “Mais sábio o ignorante em
casa, que o sábio na casa alheia”. Nem tudo que ela mencionava eu entendia.
“Biruta! Assim é que eu deveria
chamá-la!” Por mínimos, Seu Cândido admoestava-a. Por não sair da cama, por não
se deitar, por ficar em casa, por ficar na rua, por não comer, por comer
demasiadamente – ou o que ele entendia como – por não falar com as visitas, por
falar com as visitas...
Quando Tio Érbio foi visitá-los,
Bismuta estava com um arroxeado à esquerda da testa:
- O que foi isto, menina?
- Caí, tio.
Respondeu com a cabeça baixa. Tio Érbio
não se convenceu. Ele também é tio meu. Com efeito, somos parentes, todavia,
este detalhe não digno é de ser apresentado ainda.
Mamãe proibiu-me de chamá-lo de tio.
“Um monstro, sempre foi, um ermo monstro assassino” este era seu parecer sobre
Seu Cândido.
Nós, moradores da vila, sempre fomos
cônscios do ofício dele; ninguém ousara julgá-lo.
Cesar Domity
Cesar Domity
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