quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O Âmago


         Os ditos caíam e rolavam naquela manhã. A azáfama da população era insípida; sem graça; desgraçada. Os senis, insossos em demasia, não se atreveram a sair de casa. A dor, esta sim, estava sendo compartilhada como pão.
         Mesmo se tentasse, seria possível que eu ficasse preso em minúcias para explicar-lhes quem foram estes dois. Os fatos falaram por si.
         Henrico Cândido, um pobre desalmado, não havia maneira alguma de ser mais negativo. Bem afeiçoado - há quem contrarie -  há não muitos anos atrás, no que tenho em minhas reminiscências pelo que me comunicaram, arrumou certa confusão com uma rapariga lá de outras estâncias, todavia, longe não daqui. Nesta aragem, a moça engravida. O capitão Terroso, pai da moçoila, mandou que procurassem o Seu Cândido, que era como o chamavam, logo após o nascimento da criança. Ele ficou aturdido. Não por agora ter uma filha, que portava todos os charmes e doçuras da infância e toda inocência, mas sim porque o pai mandara matar a Rosinha, exemplificando para as quatro irmãs o erro e o castigo por ser promíscua.
         Seu Cândido dizia “todo bebê é feio” e “Mulher se apruma aos doze e então se deve de casar”. Doravante, pensou, poderia controlar a vida de alguém e ensinar o que é certo.
         Não tendo mais que trinta, meão, moreno “cor de cuia”, olhos pretos como o salgado de uma noite sem lua, com muitas moças perdidas ao seu encalço. “Mulher é diversão”, dizia nos bares. Muitos o achavam o pensador da cidadezinha. Logrou ficar um tanto famigerado, outros o preferiam um justiceiro.
Naquele fim de ano de 1829, a menina não teve nome. No seguinte, chamou-a de Bismuta.
Ao passar de tempos, via-se amiúde Seu Cândido, com sofreguidão, deleitar-se com alguma soeza bebida. A menina crescia.
Bismuta era assaz esperta; não diria esperta, talvez inteligente; ou nem isso; digo sábia. Um exemplo de magnanimidade e muitos perguntavam “de onde ela sabe isso ou aquilo?” E poucos respondiam com algum “não sei”, enquanto outros nem isso.
         - Por que não sai de casa, Bismuta?
         Sussurrou seu envelhecido pai, quase bêbedo e não por um copo a menos, e sim pela vida que o embriagava. Algumas noites, ele bradava em terror de sexta “ela está me matando!”
         Os desacanhados certeza tinham que se tratava da filha. Nos bares afirmavam que ele fazia alusão à vida.
         - Não quero ver as pessoas, papai.
         Se bem me recordo, ela já havia vivido seus lá seis invernos. Uma vez quando fui visitá-los,  ela havia me dito “Mais sábio o ignorante em casa, que o sábio na casa alheia”. Nem tudo que ela mencionava eu entendia.
         “Biruta! Assim é que eu deveria chamá-la!” Por mínimos, Seu Cândido admoestava-a. Por não sair da cama, por não se deitar, por ficar em casa, por ficar na rua, por não comer, por comer demasiadamente – ou o que ele entendia como – por não falar com as visitas, por falar com as visitas...
         Quando Tio Érbio foi visitá-los, Bismuta estava com um arroxeado à esquerda da testa:
         - O que foi isto, menina?
         - Caí, tio.
         Respondeu com a cabeça baixa. Tio Érbio não se convenceu. Ele também é tio meu. Com efeito, somos parentes, todavia, este detalhe não digno é de ser apresentado ainda.
         Mamãe proibiu-me de chamá-lo de tio. “Um monstro, sempre foi, um ermo monstro assassino” este era seu parecer sobre Seu Cândido.
         Nós, moradores da vila, sempre fomos cônscios do ofício dele; ninguém ousara julgá-lo.

                                                      Cesar Domity

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