sábado, 22 de fevereiro de 2014

Improviso para Allen Ginsberg

Caro Allen Ginsberg, eu escrevo poesia porque eu vivo
E eu vivo porque eu me desintegro
E a integridade é uma prisão
Eu vivo porque eu erro
E no erro há sempre uma dose de caos
E no caos está a semente da vida
Eu vivo porque o mundo é uma salada
E porque tem cozinheira na cozinha
Eu vivo porque Shakespear ainda ninguém derrotou
Eu vivo porque ainda há perigo no amor
Eu vivo porque o santo sexo da evolução ainda vive na minha cama
E porque ele é muito mais ideia e criação do que um simples ato físico
Eu vivo porque não sou católico
Sou cardíaco - mas sem doença no coração
Eu vivo porque viver é criar em dobro
E eu não consigo consumar o que é a vida
Sem a criação
Eu vivo porque existe a literatura
E Pessoa disse: A literatura é a melhor forma de ignorar a vida
E é preciso viver para se ter uma vida para ser ignorada
Eu vivo porque eu me entedio
E o tédio é o primeiro passo para que depois você viva
Eu vivo porque eu nunca saberei tudo
Eu vivo porque a vida ainda é somente uma opção
Eu vivo não porque isso é o melhor a se fazer
Mas porque, por hora, isso é tudo que se pode fazer
Eu vivo porque o amanhã é do caos
E o ontem , um lugar que não encontro mais
Eu vivo porque amanhã posso ter gripe
Eu vivo porque a palavra “posso” existe
Eu vivo porque, para eu viver, preciso fumar os meus cigarros
Eu vivo porque eu tenho a possibilidade de me matar
Eu vivo porque, se nada mais é doce, eu ainda posso ser
(Ou ainda lembro como é)
Eu vivo porque tem estrada
E se não houvesse, fazer estrada é ainda melhor
Eu vivo como bebe água quem tem sede
Eu vivo porque Nietzsche disse: A vida sem música seria um erro
E ainda tem música
Eu vivo porque eu estou sempre em desespero
Eu vivo porque Maria Madalena ensinou-me muito mais lições do que Jesus
Eu vivo porque não sou nem partidário nem anarquista
Eu vivo porque ainda não sou
Eu vivo porque eu poderia tomar vinagre se eu quisesse
Eu vivo porque nunca ninguém saberá o que eu sou
Porque nunca ninguém saberá como é ser eu
Eu vivo porque há loucura na razão
E razão para loucura - e na loucura.
Eu vivo porque metade do que eu sou é o que eu vivi
E a outra metade é o que eu quero viver
Eu vivo porque não há mais nada que eu possa fazer
E mesmo que eu decida morrer, isso ainda é viver


                                                                                                      Vinícius Faria

Nenhum comentário: