Parecia festa de família e
muitas pessoas estavam por ali. De algum modo, eu não as reconhecia. Elas
tinham uma aparência de parentes distantes embora eu soubesse que se tratasse
da minha família biológica e, da mesma forma que a aparência delas tinha esta
irrealidade, suas vozes eram abafadas; eram como susurros gritados e indecifráveis.
Similarmente às pessoas, o lugar tinha
uma tonalidade de habitação cognoscível – muito similar a uma fazenda,
confesso. Na parte da frente, havia um gramado com árvores que enfeitavam a visão
e, justamente por entre elas, veio aquela menina cheia de explosões eufóricas
em pulos, com um sorriso inimaginavelmente único – uma vez que apresentava uma
melancolia muito bem disfarçada mas radiando certa sensação de alacridade que
tomava proporções virais e nos infectava profundamente – e com cabelos ativamente
esvoaçantes.
Passou por mim
e fez um cumprimento intenso e serelepe sem me tocar. Parecia ter alguma coisa
ainda a fazer antes de dar-me atenção. Neste momento, comecei a me perguntar
por que haveria ela de fazer isso. Talvez por ela ser mais nítida que todos os
presentes ou talvez por, em vista desta característica, ela me parecer ainda
mais desconhecida que os demais.
A casa por
dentro era grande e tinha vários quartos, alguns corredores e duas salas
espaçosas. Em uma delas, onde havia um sofá em formato estranho que era quase
como um U e o qual ficava justamente virado para a grande porta de vidro que
era a entrada frontal da casa, estava a Hannah quase deitada. Olhei para ela de
uma maneira estranha. Parecia um fato disperso ela estar ali. Ela, contrapondo-se
à minha expressão, olhou-me ternamente e lançou um beijo silencioso o qual
vinha acompanhado de uma sexualidade que me deixou, naquele instante,
estranhado. Os cabelos estavam esparsos e no gesto lançado mexeram-se com tamanha
suavidade, delicadeza e harmonia que meus sentidos ficaram confusos. Tentei não
demonstrar tal confusão, pisquei tentando estar ao nível da sexualidade
demonstrada e virei-me para seguir por um corredor. ‘Venha aqui’, disse ela com
aquele sotaque de Belém ainda não extinguido e de uma maneira suave a qual
deixou a possibilidade de recusa como opção não viável.
Sentei ao
lado. Ela estava virada para à porta e eu para dentro da casa. Senti-me
intimamente perturbado pelo aspecto da realidade. Ela, similar a menina que
chegou, tinha nitidez. Beijamo-nos brevemente. O beijo dela não mudara muito
desde o primeiro que nos demos. Devido à língua miúda e fina somado a, quiçá,
um impedimento estético a qual ela mesma se impunha, o beijo dela era em grande
parte labial. Ao menos, os lábios dela eram puramente um deleite imensurável. Eram
simples, de uma textura que, de tão magnífica, só poderia ser um acidente da
natureza. Carnudos mas macios, úmidos na medida certa e, o que já se torna
óbvio, extremamente envolventes.
Levantei-me
enquanto arrastava minha mão sutilmente pelas costas descobertas dela. Usava
vestido de verão feito de algodão e de cor coral claro ou salmão – não saberia
identificar – e cuja abertura atrás permitiu o meu ato pseudolibidinoso.
Fui para um
dos quartos no fundo de um dos corredores e encontrei novamente a menina. Havia
ouvido alguém falar o nome dela. Renata. Prestei atenção para não falar errado
e, novamente, perguntei-me qual a importância daquilo. ‘Oi’, disse ela. E
respondi com um ‘Olá’ para não ser redundante. Ela deu-me um abraço e disse que
estava com saudade. Neste instante, meu sentimento de estranheza tornou-se uma
confusão completa. Havia uma realidade que não parecia com a minha habitual. Estávamos
a dois passos da porta em direção ao interior do quarto e ela permaneceu
abraçada em meu dorso enquanto inclinava a parte superior do próprio corpo para
trás em ordem de ter uma visão mais ampla do meu rosto. Antes que eu pudesse
formular algum pensamento, ela me beijou com desejo. Vi aquela boca com batom
vermelho se aproximar e, mesmo antes de me tocarem, os lábios já estavam
separados e a língua já estava inquieta lá dentro. Agarrei-a firmemente pela
cintura para demonstrar reciprocidade de desejo. Aquele beijo era diferente do
último que recebi. Este, ao invés de vir a me envolver, sugava-me. A língua era
consideravelmente mais carnosa e tinha uma suculência espantosa. Era maleável,
de leve aspereza e absurdamente macia.
Quando ela se
afastou, fiquei muito intrigado com quem poderia ser esta Renata. ‘Estava com
saudade’, disse ela novamente. Não pude sequer dar uma palavra sobre isso.
Mantive-me com um sorriso sutil de satisfação e a observei atentamente. Como eu
poderia esquecer quem ela era? Aquele cabelo ruivo, quase crespo, aquele olhar
imensamente indecente e lascivo, aquelas sardas discretas pelo rosto, aquela
beleza esquisita e, por isso, deliciosa... Como poderia eu não saber quem ela
é? O que teria acontecido com minha memória? Por que eu me sentia tão extasiado
apenas pela presença dela?
Neste momento,
lembrei-me da Hannah. Ela sempre fora uma pessoa a qual não transmitia
dignidade e, em vista disso, sempre tive que vigiá-la de uma maneira cuja minha
própria ídole desgostava. Resolvi ir vê-la. ‘Dê-me um minuto’, disse à Renata.
Ao chegar lá, ao invés de ter
minhas suspeitas em fatos, encontrei-a dormindo no sofá. No mesmo sofá. Nesta instância,
lembrei-me que não tínhamos uma relação. Não tínhamos qualquer pacto. Ela era
alguém e eu era outro alguém. Desisti dela como se desiste de uma dor passada
que perturba-nos frequentemente. Voltei impetuoso para o quarto onde havia
deixado a Renata. Entre meus passos firmes, tive a veemente impressão de ser
semelhante a ela. Como se fôssemos seres compatíveis em vários estados. Então,
recordei-me de minhas precedentes experiências. Sempre tive esta sensação com
pessoas as quais estava intensamente
envolvido. Como se tivéssemos algo plenamente harmônico e sintonizado tanto em
nível sexual, mental, organizacional como em qualquer outro nível ou detalhe
menos importante que se possa pensar.
A porta estava
fechada e a abri com uma vagarosidade contrária do meu caminhar no corredor.
Minha libido era gritante e, por algum motivo, sabia que ela estaria em uma
situação similar. Quando a avistei em cima da cama, não só houve
correspondência do meu raciocínio, como tive espasmos por ver tal cena. Ela
estava nua e estendida em cima da cama de solteiro que havia ali. A pele branca
reluzia levemente devido à claridade que entrava pela janela e os cabelos de
cobre cobriam um pouco os seios. Ainda assim, podia-se vê-los discretamente
entre as falhas de fios e mechas. Ela brincava de enrolar a ponta de uma parte
dos cabelos nas proximidades do seio direito deixando aparecer o mamilo
demasiadamente rosado.
Em um impulso,
tranquei a porte e dirigi-me para cama. Ela abriu os braços e pernas para me
receber, ainda vestido, e, com precisão e rapidez, atirei-me sedento e me posicionei
em cima dela fazendo minhas mãos agarrarem aquela cintura delineada e
beijando-a da mesma forma que ela me beijava – sugando-a.
Neste momento,
tive uma sensação de desrealização. Eu não estava apenas em harmonia, mas
comecei a coexistir com ela. Meus olhos estavam fechados. Dos lábios inebriantes,
eu já estava partindo para garganta e todo o hálito dela já era minha
respiração. Aquela pele desmanchava-se
perante mim e qualquer conclusão que eu tentasse formular falhava no êxtase ao
qual eu estava tomado. No fim, estava eu em um lugar diferente. Sozinho, na
minha cama e com um gosto de whisky da noite passada perambulando minha respiração.
Cesar
Domity
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