segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Canto Nenhum Sem Imaginação

Em um trovão alucinante voam os homens pelo universo em um enorme osso alado
Cavalgam atados em fios de rebentos que soluçam e participam deste meio enquanto contrariados
Partem daqui as cotovias violentas das poesias que não sobrevivem no vácuo
E correm todos na velocidade da imaginação sem búsola e trilha sonora para o lado errado.

A imaginação pisca e bate na tecla branca.
Bate, bate, bate.
Lá na bem agudinha.
Bem da direita.
Facina-se e cria esperança.
No piano parece que há vida, mas o próprio já é morte. 
Já é morto.

Dancemos.
Porque hoje tem boa valsa e aquele vinho do porto que não veio de Portugal.
Finjamos nós também que não temos nossa carne suja de índio.
Finjamos que nossa safra seja europeia.
Brindemos e bebamos nas nuances da valsa universal para que a camareira tenha algum trabalho pela manhã.
Ela é um ser humano e também necessita reclamar.
E de manhã, um suave Noturno para despertar a cabeça de metal e o corpo de papel.

Fácil é pedir para que o mundo pare.
Só que ele é como uma mãe contrariada de um filho bastardo.
Ignora-nos.

Deitados na beira da estrada da imaginação, nos recriamos.
Ficamos fossilizados e viramos o combustível do mundo que parou de súbito.
Sem peça final.
O teatro esvaziou-se e a arte descansou em terror.
O navio que nos exilava de Capela parou em algum asteróide perto do sossego.
- Olá, sossego.
- Olá, desassossegado.
- O que esperas por aqui?
- O fim da história que venho participado.
Nós inventamos  fins do mundo para podermos dizer “Eu li este livro até o último ponto”.
Cavaleiros do apocalispse, explosões solares, inferno sobre a terra, o mundo embebido em água, zumbis, nova era glacial, maremotos, meteóros colisivos...
É um desejo intrínseco ao homem ver o fim da história.
Suicídio: Substantivo masculino. 1. Desistência de ver este desfecho.

Cantem comigo este decaimento sustentado pelas notas agudinhas em cima de um osso alado.
Din din dom dom.
Vamos sorrir não por que a felicidade se apossa de nossos corações e sim por aqueles que desenham corações nas árvores.
Por aqueles que sonham com um coração em duas dimensões representado por um V abaixo de um M bem arredondado.
Por aqueles que perdem as estribeiras, desnudam-se e cantam embriagados.
Por aqueles que treinam em salões a falsa nobreza que não sentem desferir.
Vamos sorrir pelo simples motivo de não termos motivo para sorrir.

                                                 Cesar Domity

Lua

Oh! Donzela estatuada de parafina, és branca e colorida.
Dei uma volta em saturno e voltei para teu colo repetido.

Deixei-te na rua perdida e na vila proibida para o desorgulho da nação.
Rumei ao infinito, perdi minha roupa e meu intestino.
Voltei em um dia perdido, seguindo meu grito.
Encontrei-te sob as arvores na floresta lendo um livro.
E na ferrugem surreal que te vejo, senti o cheiro do mundo.
Plantamos nossa cama no jardim e nossas férias em uma nuvem
Correu o cavalo branco vazio pela praia azul.
E nas noites estreladas o mundo caiu. Doravante, a fada branca era um jasmim.
E a estiagem plantou frutos doces no meu pomar.
O mundo silenciou e as pessoas sumiram.
Duas crianças ficaram no parque a brincar.

                                                Vinícius Faria

Donzela d’água

Há uma pluma fincada em meu cerne
Com uma suposta ponta de prata
Que lembra do que não lembro
E traz um cheiro sentido sem sentir
De uma donzela toda de água

Em um berço alado, atado quase corro
Em um morro inverso de minha alma, buraco de infância não tida

Pinta de azul o mar para eu andar
E a vida em todo esse mar que navegamos
E pensamos voar

E o mundo
Todo ele de água
E eu uma bigorna
Pelo mundo a me afundar.

                                            Vinícius Faria

Versos Secos

Os fáceis risos
todos os fáceis risos
São como uma moribunda
Quase morta
Que ri para a vida
Quando a si mesma
Não mais suporta

E os dias
Todos os dias
São por cima ainda
Como numerar estrelas
Que levam para o pensamento o além nada de tudo
E que em nada finda

E as crianças
Todas as crianças
Santas sem querer ser
Levam pelo caminho da vida
O peso da infância em lembrança
Na leveza da ignorância

E os velhos todos
Todos os velhos
Ligados ao mundo por um laço
Que o mundo todo esquece
Menos os velhos
Que um dia até o dia esquecem

E as pessoas
Todas as pessoas
Inventam pessoas em si
Para não encontrar com o outro nas pessoas que são

E vida
Toda a vida
Arrasta tudo
Pelo nada de todo o tudo

E o mundo
Todo o mundo
Gigante
Imenso demais para ser entendido
E tudo pequeno nele contido

                                            Vinícius Faria

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare


— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

                                                   Manuel Bandeira
(Homenageado)

Prolixidade Láxica

Sonho? Que sonho?
Por vezes tantas, nem dormir eu durmo
Viver o sonho
O sonho...
O sonho...
O conjunto de imagens que se apresenta ao espirito durante o sono
A utopia
A ficção
A fantasia
A ilusão
A visão
A aspiração
A coisa fútil e transitória
A vida
O desejo
O biscoito de farinha e ovos, fritos em azeite ou mateiga e passado depois em calda de açucar
Sério?
Vou viver o momento
Que momento?
O espaço pequeniníssimo mas indeterminado?
De tempo
O instante
A ocasião azada
A circunstância
O produto de uma força que vai do ponto puxado à direção da força?
Viver o agora?
Nesta data
No presente
No instante
E morrer com ele?
E depois viver de viver de novo
E renascer de novo
Fênix
E cansar de tanto morrer
Ah tempo...
Duração calculável dos seres e das coisas
Duração limitada
Sucessão de dias
De horas
Momentos
Período
Época
Estado atsmoférico
Os séculos
Ensejo
Estado ou ocasião
Própria
Cada uma das partes completas de uma parte musical em que o andamento muda
Duração de cada parte do compaço
Flexão indicativa do momento
A que se refere o estado ou ação dos verbos
O endez da vida
O que fazer do tempo no tempo?
O tempo só tem espaço
E tudo além do tempo nao existe
Sou só eu e o tempo
Eu e o tempo...
Eu e o tempo...
Eu e o tempo...
Eu...
Individualidade metafísica da pessoa
Solúvel ao ser
Ter um atributo ou modo de existir?
Estar
Existir
Ficar
Pertencer
Ter a natureza de causar
Produzir
Consistir
Ser formado
Ser digno
Sou uma absração de fim de dia
E esse não ser insiste e incomoda
Eu nao sendo e o tempo...
Eu nao sendo e o tempo...
Eu nao sendo e o tempo...
Assim viver?
Aliás, viver...?
Estado de atividade funcional peculiar aos animais e vegetais
Existência
Tempo decorrido entre o nascimento e a morte
Modo de viver
Existência do além-túmulo
Animaçao em composiçao literária ou artística
Vitalidade
Subsistência
Origem
Sustentáculo
Sou, és, é, somos, sois, são
Era, eras, era, éramos, éreis, eram
Fora, foras, fôramos, fôreis, foram
Fui, foste, foi, fomos, fostes, foram
Seria, serias, seria, seríamos, seríeis, seriam
Seja, sejas, seja!
Fosse, fosses, fosse, fôssemos, fôsseis, fossem
For, fores, for.
Ah! Nao sei e me cança querer saber
Sinto-me soporífero
E nao sei dormir
Dormir
Entregar-se ao sono
Descuidar-se
Descançar no sono
Morrer
Jazer
Durmo
Dorme
Dormes

                                          Vinícius Faria

Cabide

Vesti uma roupa que não era eu
Fui tido que a roupa que não era
Nela não senti a mim mesmo quando vesti a roupa que sou

Senti-me menos eu ainda
Pendurei-me no cabide
E a minha roupa toda saiu nua pela rua

                                                   Vinícius Faria

Sussurro

Venho das cores de teu quadro
Por entre os vultos te procuro
Trago a madrugada e te abraço
Fecho teus olhos do escuro

Na espera, na falta e na sede
Pela janela a última estrela
No sufoco de quatro paredes
Perdi a palavra para dizê-la

O vento soprou sozinho
As ideias foram vida a fora
Caiu no chão a última hora

A noite quebrou meu riso
Teu frio aqueceu minha alma
Encontrei a margem externa do paraíso


                                                    Vinícius Faria

Bebedeira

O corpo que bato
A lástima e o carrasco
A ânsia que sofre
E que empurra
 

O instinto que rasga
Sou o próprio rasgo

A vida que morde
E as entranhas invade
 

De dentro te agarro
Respiro-te
E te beberia também...


                                        Vinícius Faria

Notas de um Astronauta

Nem comecei a voar, já estou cansado
Céu, meu destino é saturno
E minha companhia o espaço
Cego, escuro e profundo.

Não tenho mais maldade nem desejo
Sou um reluzente imortal
Hipocondríaco e suicida
Enterrado em areia movediça de cristal.


                                             Vinícius Faria