domingo, 4 de março de 2012

A Parcimônia do Caráter (II)

                                                                               (Parte II)

        Pensava “perpetuar a espécie” balançava a cabeça e prosseguia “veja bem: Perpetuar a espécie”.
         - Já pensaste nisto: por que te chamam assim?
         - Estou pensando na perpetuação da espécie... Posso compreender que tal impulso é animalesco, deixar uma prole igual em mente ou corpo, bem não sei... Passível de dar continuidade as histórias que se vive, pensa o homem.
         - Indiferente para tal, porém, “Dia-Florido”. Não venho a concordar que é um bom apelido, ainda mais para um velho.
         - Não sou velho. Então o homem pensa que o filho o imortaliza? Hipocrisia chamar de perpetuação da espécie? Talvez – Riu-se um pouco – A estupidez não está tanto aí, caro eu, não obstante estes pequenos assaltos a grandeza, esta primeira está no homem não estar a nem um passo a frente da imaginação para prever o ensinamento deste ser que o transforma em um semi-deus. Apenas o deixa nascer, vem a esquecer um pouco a ideia original para, por fim, dar importância nenhuma logo que o tempo se passa.
         - Em geral ele passa, não tu podes dizer isso?
         Ele então olhou para toda a sala e viu-se sozinho como se um sopro o tivesse trazido a uma realidade diferente e, tão forte quanto este primeiro, um segundo o levou para seu conhecido supermercado. Na mesma instância, saiu esbravejando em um dialeto ininteligível para ele próprio. O mesmo supermercado, a mesma parada, esperando o mesmo ônibus.
         - Acho que vai chover hoje.
         - Que me interessa se há de chover ou o que achas! Vá criar algum interesse real pela natureza ou pela vida.
         Em seu pensamento o assunto prosseguiu “Deves estar mais interessado na roupa pendurada no varal que molhará do que se os filhos e netos sabem ler e se o fazem”. Olhou o homem novamente “perpetuação da espécie... Mais para continuação da bestialidade”. Doravante encarquilhando o feitio com asco.
        Toccata e Fugue em ré menor escolhida para tocar enquanto Virgo expressava todas as emoções pelas paredes, no chão e também na mesa. Assim como pelos quatro minutos do andamento a casa foi posta lentamente abaixo, mobília após outra. Uma dança viva em música e destruição. Passando logo a Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner, o surto alcançou o ápice em gritos de aversão. Entre estes gíros eufóricos na sala em caos, o sopro peculiar o toma desta realidade por outra vez.
         O sol da manhã penetra na janela acompanhado das batidas incessantes na porta principal.
         - Virgo! Virgo! Sei que estás aí dentro!
         “Mal eu sei se estou aqui dentro, maldita”.

                                                                  Cesar Domity



A Parcimônia do Caráter (I)

(Parte I)        
         Entre as similares prateleiras dispostas como soldados o Sr. Dia-Florido se desaventurava. Todos os dias buscava as provisões diárias nesta marcha hipnótica da prateleira um à trinta e dois. Do outro lado da entrada, trespassando a massa humana que comumente move-se tão lentamente quanto costumam pensar, seções específicas para atendimento mais imediato.
         - O que desejas, senhor?
         - Dominação global e higienização social, todavia não vejo como meu desejo pode aplacar minha necessidade. Além de que, o interesse de algúem pelo meu desejo é incomum.
         - Como, senhor?
         - Pão francês. Cinco, por favor.
         Conversas costumeiras levam a pessoas costumeiras. Esta mulher do balcão era jovem e comum, sem qualidades adicionais. A saída do mercado dava em um estacionamento colossal replete de carros assando. No entanto, Sr. Dia-Florido pegava ônibus. O estranho objeto de liberdade que habitava as ruas de dia e entocava-se à noite. Acasalavam-se pouco e tão-só a cada dois ou três anos era possível notar novos onibusinhos.
         - Calor hoje, não?
         Disse uma senhora que segurava sacolas e uma criança. Como resposta, Sr. Dia-Florido ofereceu um sorriso e um aceno de cabeça. O comportamento consuetudinário para demonstrar indiferença em medida com a tendência de não satisfazer a ilusão de uma conversa subsequente, que é como um gole de interpessoalidade tendo em vista a não persistência na palavra.
         Cedo já em casa estava. Televisão, nicotina e cafeína. Leu algumas páginais destes jornais regionais que estimulam o viver com enredo novelístico e trágico e deitou de luz acesa. Levantou para apagá-la e, enfim, deitar de luz não acesa.
         Novamente nos mesmos corredores infinitos e consecutivos, dotados da continuidade e uniformidade. O corredor três estava interditado o que, por fim, alteraria o caminho habitual. Caminhou até o final do corredor quatro para voltar em seguida pelo mesmo ao passo que resmungava do tamanho da desordem que este ocorrido gerou.
         - O que a palavra república denota nos nossos dias?
         - Como, senhor?
         - Pão francês. Cinco deles, por favor.
         A mulher de hoje era defeituosa. Era notavelmente gorda. “Fora a massa, defeito esta não teria?” Pensou Sr. Dia-Florido. “Quando partilhei deste pensamento(?): Gordos são defeituosos”. Demorou-se neste pensamento.
         - O senhor pode dar licença?
         Pediu um jovem adolescente que estava como próximo da fila nesta seção intitulada padaria.
         - A obesidade é uma anti-qualidade porquanto ajusta-se a uma atenuação do caráter. Tua vontade por sobre tua vida não é suprema. Tu és um animal classificado como primitivo. Embora possa ainda tentar suprir estes momentos primitivos com cactaristícas sociais mais sofisticadas... Alguns de vocês, gordos, causam interesse geral para isto que falei, mas tu, que trabalhas na padaria, não.
         Um silêncio assomou-se ao redor e o Sr. Dia-Florido bem sabia que tais palavras devem ser seguidas por apenas duas opções: Um retórica da parte que escuta ou um estratagema de nome saída

                                                             Cesar Domit



sexta-feira, 2 de março de 2012

O Inverso do Rito


         Um ritual para mentes mais apuradas. Para homens da linha superior.  Àqueles que viviam acima da moralidade. Um ritual que confundia o mundo astral usando artimanhas do seguimento normal da natureza para, no limite desta sequência quimérica, encontrar em queda o cadavérico braço do mundo além do mundo.
            Somavam-se em onze. Animais minúsculos e desaflorados mas já mergulhados em corpos em uma volúpia ininteligível e pudica. Todos estes estavam em uma pequena sala – se bem que, para eles, a grandeza não tinham significado ao passo que tudo era grande, amplo e magnífico – com paredes de um azul decadente, escuro e penetrante aos pensamentos inocentes dos pequenos. O chão estava decorado com círculos concêntricos de pirulitos. Caídos por todos os cantos como gotas de chuva discretas, estavam balas com simulacros de sabores metafóricos. As próprias paredes encerravam quadros melados e coloridos de forma a representar canções alegres. E, em meio a isto tudo, eles batiam palmas como em uma hipinose dançante, como se tivessem trilhas sonoras por suas mãos e ações.
            Pedrinho estava por Fernanda que usava a língua adocicada com Estela que, por sua vez, umidecia as mãos no corpo de Fernando. Mas o próprio Pedrinho estava quase fora do entrelaçado de corpos infantes. Todas as crianças cuspiam-se e deslizavam as mãos delirantes por tudo que tocavam. Os garotos instintivamente procuravam as genitálias masculinas, e acariciavam com vigor e delicadeza cada uma delas, assim como o faziam com os seios minguados das garotinhas que não tinham mais que meia dúzia de verões. Eles pareciam conceber que o apreço pelos seios era a substituição morálica da fruição do toque ao falo de outrém.
            As meninas tinham um constante manuseio das mãos. Um misto de impaciência e desespero em meio ao prazer. Tocavam-se onde ainda não havia crescido um pelo sequer. Misturavam com pirulitos lambidos os sabores vaginais e a exsudação. Garotas fascinavam-se no toque das peles, na pressão sobre elas e acariciavam descarnadas bocas desconhecidas. Retorciam-se besuntados com movimentos rítmicos de penetrações intensas, estando todos em um deslumbro do alívio imediato das portas lá fora.
            Escarlates baldes de plástico com bordas amarelas continham açucarados refrigerantes modernos onde as crianças banhavam-se para a contínua perda dos suaves e fantasiados passados. Prosseguiam na euforia enquanto entoavam cânticos infantis, assim, riam, corriam e voltavam para a massa humana. Desnudos e naturais, já não bem sabiam contar há quanto estavam ali. Três dias, talvez. Se bem que mal sabiam era contar.
            Foi em um destes ensaios de consciência que Paulinho juntou uma calça qualquer – Se era dele? Pouco bem ele sabia o que era ele – e abriu uma das portas. Vislumbrado, pálido, ressequido e usado. Todos mecânicos olhos secos de expressões pararam e fitaram com assombro. Não havia luz do lado de fora das portas. Paulinho todavia caminhou. E rumou pela rua em uma plena escuridão por sobre postes fracos e casas de fachada. Os estáticos olhos devaneavam na ausência de pensamentos e de humanidade. Destarte, deixou a calça na altura dos joelhos e vagou. Ele via as luzes das casas, ouvia as vozes contínuas absortas em seus mundos inalteráveis construídos na manipulação, porém, ele em si, não imaginava, tampouco pensava. Caminhava pelas ruas pouco iluminadas com as calças no joelho e, cativado pelo vazio, apenas seguiu.
                                                                                                                 
                                                           Cesar Domity


Mar de bizarrices

Mar de bizarrices  

Correntes e vertentes amarradas fluindo em um mar de bizarrices.

Sorrisos, gestos secos e vazios em trejeitos inexatos, inexpressivos...

Até o homem que, frente a casa e de pé, assiste a passagem da manhã é tido como mais frívolo do que os secos sorrisos estridentes de espantar pombos em ruas limpas e sem bares.

Embriagado de irrealidade, como casais recém casados por um luar de luxuria e ebriedade.

Em um lugar qualquer dentro do palácio de mim, um homem decrépito se precipita em um penhasco de escândalos e absurdos por sua veia de intensidade.

Lúgubre espaço neste balanço de berço que decresce em meio a crença que úteros desgraçam a geração vigente.

                     Vinícius Faria e Cesar Domity