domingo, 1 de junho de 2014

Pathétique

Meu nome é Apatia
Sou tocado em dó menor, meio diminuta
Sou um clássico compasso 6/8 em escala melódica
Por conseguinte, venho a transparecer sensações
Conquanto seja tão somente aquilo que indico-me do princípio
Irrefutavelmente apático.

E ao pegarem-me pela mão e levarem-me para o meio do salão
Assemelho-me à normalidade
Desconserto-me e já não sou nesta instância composto
Fico entediado com minha linearidade
E logo os mais atentos entendem meu logro
E imediatamente percebem em mim um Adagio Molto.

Fujo desta maneira funesta
Da apatia já sou agonia
Escondo-me nas montanhas sem ter percorrido qualquer caminho
E não há mais espelho onde eu possa me achar
Não há mais estrada a qual eu possa tomar
E a francesa com toda elegância grita-me:
Vous êtes pathétique!
E, ao menos em nota, quase volto a mim
E naquela sonata para piano em C menor revivo-me ou remato-me
Sonante ironicamente em Rondo Allegro.
E pronuncio para meus contemporâneos em meio à confusão do mundo:
É com Beethoven que o mundo deve desabar!

                                                               Cesar Domity

O Passado Revisitado

Momentaneamente um espectro diferente reteve-me de tal maneira que, apesar de evocar como ideia primeira a sensação de estranheza, de algo extrínseco, de um envólucro, de algo que não é essencialmente provindo de mim e que de tão extasiante poderia me fazer sentir asfixiado, pareceu-me uma emanação de qualquer coisa a qual eu até então desconhecera, a qual lentamente foi sendo criada interiormente e que só nesta instância última pode manifestar-se.
Estive um pouco preso nestes meses anteriores ao sofrimento repetido de um definido passado que constantemente revisitava de forma que pouco atentava-me aos demais passados contemporâneos deste. Talvez tenha-me retido em um antro - e isso não foi algo significativamente fácil de considerar como ocorrente pois por diversos anos consegui fazer separações eficientemente satisfatórios (ou convenço-me disso) dos meus prazeres e demais vida sexual a qual possuía somente dois polos passíveis de visitação – o dos meus terrores e dos meus deleites. Além destes, não havia sexualidade ativa em mim. Todo o resto parecia estar em putrefação. O polo de terror envolvia minhas frustrações como ser sincero, os enganos os quais sofri, todos aqueles e aquelas que já a tentaram possuir, os e as amantes possíveis, reais ou apenas hipotéticos dela, todo o pavor que me atingia certeiramente ao rever alguma antiga informação, ao perceber algum detalhe ainda inexplicado, ao notar alguma falha de voz que me havia passado despercebida e que só então assemelhava-se a ponta de um novelo que ao se desenrolar teria no cerne uma mentira facilmente reconhecível e, por detrás dela, uma verdade fatalmente mortal. E eu ouvi detalhes da própria boca dela. Todos eles puniam-me constantemente e, antes deles serem colocados de forma organizada, havia tamanha dor dilacerante que, embora depois tenha esta sensação se espalhado e convivido comigo regularmente, ela era mais suportável – menos agonizante, digamos – que aquela dor pontual e incessante. Em muitos momentos, apenas o polo de terror tinha poder de me excitar.  O do deleite, que normalmente é bem reconhecido até por pessoas comuns, tinha uma singularidade em mim: Ele era exclusivamente físico; livre de contexto. Baseava-se apenas em imagens, movimentos de curta duração (geralmente repetitivos ou metalmente eram projetados para repetirem-se mesmo que isso não estivesse de acordo com os dados mnêmicos), posições em algum lugar específico e detalhes em geral.
Hoje, diferentemente, acabei por sentir este espectro emanando e envolvendo-me com a origem no meu interior. Fui diretamente para estes passados específicos e resolvi olhar em volta. Acabei por notar diversas sutilezas as quais haviam praticamente esquecido. Toques, inclinações, suavidades, relevos... Quer dizer, eu realmente precisei de um recurso muito mais forte que minha memória, que é tão somente construída por ideias e sesações – como diria Joyce -, e revi descaradamente nossas cenas que estão eternamente gravadas até serem esquecidas em um sopro da existência (e com isso quero dizer: perdidas; voluntariamente ou não). Tive algo difereciado que apartava-se de todo meu capricho patético de outrora cuja à sua superfície evocava só vez ou outra um diminuto de semi-felicidade; neste algo de agora, senti satisfação.
A partir disso, não pude fazer algo a mais por mim. Eu estava quase como livre de mim. Parecia, com efeito, que olhava-me distante ao mesmo tempo que olhava para o que está distante; como se o tempo todo eu estivesse inclinado em uma janela e, distraidamente, abanasse para este outro eu que ia pelos caminhos curvos e longínquos das montanhas do horizonte. “Siga a trilha e boa aventura, meu amigo!”, gritei-lhe e ele, por sua vez, sorriu como só se sorri à felicidade e disse para si “mas é bem um bastardo mesmo...”.

Cesar Domity