terça-feira, 28 de agosto de 2012

Solúvel


Nestas águas metálicas, aceitei o banho por todo
E o meu corpo se desmanchou como um sopro
Vagando pedaços por teu encontro
Entre as noites vagantes vazias
E minha alma, tal qual o corpo, se desfez em cubos
De chumbo
E voou com a incerteza
Não te cheguei completo

Teu olhar fugiu em inconstância
Desdobrou minha ância
E a minha parte roubada pela incerteza
Foi a pluma que te tocava nos tempos do acaso
Em uma espelhada fonte metalica e etática

Como água, não paro montado, dissolvo
E escorro pelos ralos dos quase lá
Vislumbro, às vezes, só teu vulto e outros tantos
Tenho casa em casa e na casa já não caibo
A rua tem três corações e ainda rouba o meu
Frente a tua inconstância que me desintegra
                                                      
                                                          Vinícius Faria

O que está dentro como o que está fora


O tal desespero recorrente parece que volta.
E se pessoas estiverem andando lá fora?
Olhe! Estão escarnecidos, de lábios e dentes à mostra.
Cinco já quase faz  – seria da corda ou do chá a hora?
Oh... E o que importa?
Nada nos apraz.
Nunca haverá um Brainiac para encolher e para longe minha Kandor levar
Enquanto a sorte de Wayne herdei para logo tão cedo e pequeno tudo herdar.

Sábios olhos a ler em um duelo humano,
O engano do ocidente.
Que há de ter um perdedor, porém, nenhum ganhador pendente.
Para Zoroastro, os costumes em desfacelação.
O não-contraste e o não-opor.
“Que bem e mal então existirão?”
Eis que de seu nome não grego, um livro já foi feito.
Nada faço aqui senão um indicativo à ponte.
E como Kikazaru, Iwazaru e Mizaru unidos em um,
O homem parece ser ao saber que o saber tem fonte.

Muitos estão estupefados e por janelas espalhados
Cada qual com sua devida dose diária de dor tolerável.
E a pesada chuva bate como a imagem de um futuro descartável.
Afável falsa doçura do hoje e do aqui consumados.
Que o abstrato vento chamado tempo sopre para longe nossas secas vidas em movimento fleumático, preguiçoso e destento.

                                                  Cesar Domity

A Recursividade Humana


                                                                          (parte I) 
       Os cinco saíram do teatro diretamente à cobertura de Verno, na própria Viena. Este era o único de todos que já nascera em nobre família e, quando logo tão cedo completou a idade da razão, tudo teve para si com a morte dos pais.

No apartamento, dirigiram-se ao quarto e ascenderam velas e incesos.
- Sabem qual a magia das velas? Nossa humanidade não perde a visão do físico, mas prioriza o íntimo, o intocável, o véu de nossas consciências...
Em um salto, Selino põe-se de pé com costas e joelhos curvados como uma velha bruxa a conjurar um antigo feitiço vocálico.
- É de minha mente imatura para a eternidade que o homem pode delir de mim o ser que penso ser como nenhum ser poderia fazer.
Riram-se embebidos pela noite e pelo vinho como fazia por quase todo comentário. Há dois anos que Verno reuniu Marie, Anne, Selino e Pierre para formarem um grupo de teatro. Exceto Selino, todos já haviam escrito peças e poesias. Anne e Pierre também haviam escrito um livro de romance em conjunto.  
- De volta ao capítulo “Deduzindo os Demasiados” – inciou Pierre - há algo que não escapa às mulheres: Absorvente interno ou externo.
- Certamente. Um presságio dos relacionamentos. Acrescentou Selino.
- E como os relacionamentos devem ser.
- Se há algo que aprendi com Krishnamurti foi que tudo deve ser leve, sem conflitos, sem interferências, delineável....
Obstando as palavras de Verno, Anne pronuncia em meio a gesticulações enquanto serve-se mais vinho.
- Por obséquio, caros amigos,  como se pudéssemos algo dizer disso. Nós, os mortais solitários, caso soubéssemos os itinerários que os relacionamentos devem ter, não estaríamos sozinhos.
Pierre e seu rosto estático de escárnio prosseguiu em lentas e altas palavras.
- Não é porque sejamos péssimos, digo, péssimos em didática, que não saibamos o que queremos ensinar.
- E o que tu queres, Pierre? Aquilo que realmente queres? Aquilo que tua alma clama, anseia e implora para o mundo?
Entrementes, Marie aproximou-se como uma cachorra até Pierre, como se quisesse sentir o cheiro de cada reação do seu corpo, escutar cada medo e puxar até o mais ínfimo valor de toda a volúpia humana encerrada em Pierre.
-  Os humanos são surpreendentes quando surpreendidos.
Riram-se novamente como de costume. Pierre tomou uma faca que estava na mesa e como um guepardo em um ataque preciso, deita Marie enquanto seu corpo mediano pressiona o dela no chão de madeira e a faca toca seus lábios pequenos e delicados que por si só já serviriam para dar uma beleza inconfundível a ela. Por outro lado, o apelo visual da beleza da Marie era por todo cruel e sádico. Os gestos suaves e demasiadamete femininos pareciam sempre estar pintando o mundo com uma arte de intenso desejo e desespero enquanto, ao mesmo tempo, pareciam paisagem, algo que se desenrolou proposital e necessariamente como o fade out de um traço de pincel.
Marie, com a suavidade já citada, apertou as pálpebras e usou sua fina língua para deliciar a visão de Pierre passando-a pela lâmina prateada.
- Há quem diga que duas coisas atraem verdadeiramente o homem: O perigo e o jogo. Desta forma, sou a personificação do desejo, o jogo mais perigoso que se pode ter.
Pierre, com seu drama característico, levantou-se de supetão e arremessou a faca no alvo de dardos pendurado na parede.
- Disperdício de folhas e tinta é discorrer sobre mulheres.
À deixa de Pierre, Selino prosseguiu.
- Imaginem como seria se o mundo fosse, desde os primórdios da arte, majoritariamente matriarcal. Será que os grandes artistas seriam mulheres? Será que teríamos obras imensas sobre o homem e a natureza amorosa deste?
-  Com a organização mental feminina? No máximo que teríamos era uma mundo limpo.
Disse Anne enquanto mexia em uma gaveta. Selino alisou o rosto e refletiu em voz alta.
- Um mundo como a cozinha de nossas mães...
Voltando-se para o público, Anne disse com voz macia:
- Um revolver...
- É de verdade?
Apressou-se Marie.
- Obviamente que não. Eu o uso porque gosto de pensar na emoção das chamadas roletas russas.
- E esta aqui dentro indicará quem perdeu com algum barulho?
- Exatamente.
Todas se encabularam um pouco até que Marie voltou a falar.
- E por que não jogamos?
Marie girou o tambor e o fechou ainda em movimento. Deslizou a língua do guarda-mato até a massa de mira, inseriu o comprido cano dentro da boca em meio a insinuantes vai-e-vens característicos dos exercícios sexuais orais e apertou o gatilho. Um estralhido seco pode ser ouvido.
Pierre olhou assustado para Verno.
- Dê-me isso.
Em seguida, levantou-se, trancou a porta, engoliu a chave e sentou-se. Todos riam.
- Eu reconheço muito bem armas. Meu pai era perito. Pena que não estarei aqui para ver o desenrolar desta festa. Espero que degustem o vinho e os próprios medos.
Pierre tocou com os dedos no próprio peito, manteve o revolver na distância de dois punhos e puxou o gatilho duas vezes até que se ouviu um alto baque e se pode ver o buraco de um escuro vermelho em seu peito pequeno.  

                                                         Cesar Domity






O Planeta Azul

O Planeta Azul

Azul.
Do mar, azul é a cor.
Do céu, azul a cor é.
O mar, ao que penso, não é o céu.
Azul também é o cobre em solução.
E o céu não de cobre é feito.
O céu é feito de sonhos.
Azul meu céu é não.
O mar é sonho distante.
Azul é a cor dos sonhos.
Os de olhos azuis, em azul só o que não é azul vêem.
Eu, particularmente, não gosto de azul.


                                                              Cesar Domity