(parte I)
Os cinco saíram do teatro diretamente à cobertura de Verno, na própria Viena. Este era o único de todos que já nascera em nobre família e, quando logo tão cedo completou a idade da razão, tudo teve para si com a morte dos pais.
No apartamento, dirigiram-se ao
quarto e ascenderam velas e incesos.
- Sabem qual a magia das velas?
Nossa humanidade não perde a visão do físico, mas prioriza o íntimo, o
intocável, o véu de nossas consciências... 
Em um salto, Selino põe-se de
pé com costas e joelhos curvados como uma velha bruxa a conjurar um antigo
feitiço vocálico.
- É de minha mente imatura para
a eternidade que o homem pode delir de mim o ser que penso ser como nenhum ser
poderia fazer.
Riram-se embebidos pela noite e
pelo vinho como fazia por quase todo comentário. Há dois anos que Verno reuniu
Marie, Anne, Selino e Pierre para formarem um grupo de teatro. Exceto Selino,
todos já haviam escrito peças e poesias. Anne e Pierre também haviam escrito um
livro de romance em conjunto.  
- De volta ao capítulo “Deduzindo
os Demasiados” – inciou Pierre - há algo que não escapa às mulheres: Absorvente
interno ou externo. 
- Certamente. Um presságio dos
relacionamentos. Acrescentou Selino.
- E como os relacionamentos
devem ser. 
- Se há algo que aprendi com
Krishnamurti foi que tudo deve ser leve, sem conflitos, sem interferências,
delineável.... 
Obstando as palavras de Verno,
Anne pronuncia em meio a gesticulações enquanto serve-se mais vinho.
- Por obséquio, caros amigos,  como se pudéssemos algo dizer disso. Nós, os
mortais solitários, caso soubéssemos os itinerários que os relacionamentos
devem ter, não estaríamos sozinhos. 
Pierre e seu rosto estático de
escárnio prosseguiu em lentas e altas palavras.
- Não é porque sejamos
péssimos, digo, péssimos em didática, que não saibamos o que queremos ensinar. 
- E o que tu queres, Pierre?
Aquilo que realmente queres? Aquilo que tua alma clama, anseia e implora para o
mundo? 
Entrementes, Marie aproximou-se
como uma cachorra até Pierre, como se quisesse sentir o cheiro de cada reação
do seu corpo, escutar cada medo e puxar até o mais ínfimo valor de toda a
volúpia humana encerrada em Pierre.
-  Os humanos são surpreendentes quando
surpreendidos. 
Riram-se novamente como de
costume. Pierre tomou uma faca que estava na mesa e como um guepardo em um
ataque preciso, deita Marie enquanto seu corpo mediano pressiona o dela no chão
de madeira e a faca toca seus lábios pequenos e delicados que por si só já serviriam
para dar uma beleza inconfundível a ela. Por outro lado, o apelo visual da beleza
da Marie era por todo cruel e sádico. Os gestos suaves e demasiadamete
femininos pareciam sempre estar pintando o mundo com uma arte de intenso desejo
e desespero enquanto, ao mesmo tempo, pareciam paisagem, algo que se desenrolou
proposital e necessariamente como o fade out de um traço de pincel. 
Marie, com a suavidade já
citada, apertou as pálpebras e usou sua fina língua para deliciar a visão de
Pierre passando-a pela lâmina prateada.
- Há quem diga que duas coisas
atraem verdadeiramente o homem: O perigo e o jogo. Desta forma, sou a
personificação do desejo, o jogo mais perigoso que se pode ter. 
Pierre, com seu drama
característico, levantou-se de supetão e arremessou a faca no alvo de dardos
pendurado na parede. 
- Disperdício de folhas e tinta
é discorrer sobre mulheres. 
À deixa de Pierre, Selino
prosseguiu.
- Imaginem como seria se o
mundo fosse, desde os primórdios da arte, majoritariamente matriarcal. Será que
os grandes artistas seriam mulheres? Será que teríamos obras imensas sobre o
homem e a natureza amorosa deste?
-  Com a organização mental feminina? No máximo
que teríamos era uma mundo limpo.
Disse Anne enquanto mexia em
uma gaveta. Selino alisou o rosto e refletiu em voz alta. 
- Um mundo como a cozinha de
nossas mães...
Voltando-se para o público,
Anne disse com voz macia:
- Um revolver...
- É de verdade? 
Apressou-se Marie. 
- Obviamente que não. Eu o uso
porque gosto de pensar na emoção das chamadas roletas russas. 
- E esta aqui dentro indicará
quem perdeu com algum barulho? 
- Exatamente. 
Todas se encabularam um pouco
até que Marie voltou a falar. 
- E por que não jogamos?
Marie girou o tambor e o fechou
ainda em movimento. Deslizou a língua do guarda-mato até a massa de mira,
inseriu o comprido cano dentro da boca em meio a insinuantes vai-e-vens
característicos dos exercícios sexuais orais e apertou o gatilho. Um estralhido
seco pode ser ouvido.
Pierre olhou assustado para
Verno. 
- Dê-me isso. 
Em seguida, levantou-se,
trancou a porta, engoliu a chave e sentou-se. Todos riam. 
- Eu reconheço muito bem armas.
Meu pai era perito. Pena que não estarei aqui para ver o desenrolar desta
festa. Espero que degustem o vinho e os próprios medos. 
Pierre tocou com os dedos no próprio peito, manteve
o revolver na distância de dois punhos e puxou o gatilho duas vezes até que se
ouviu um alto baque e se pode ver o buraco de um escuro vermelho em seu peito
pequeno.  
                                                         Cesar Domity 
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