terça-feira, 15 de julho de 2014

Antes do Cedo

Já é antes do cedo. ‘Desperta, Fernanda’. Escolheria o corpinho. ‘Corpinho? Não use o desuso, menina’. Não “que este não lhe cabe”, disse a mãe. Juvenil, juvenil. ‘Este sol que me deixa juvenil’.
         O tempo cobre de gracejos e gotículas as roseiras lá fora. Nada serve. Nem corpinho, nem calça, tampouco os minutos. ‘Para quem são estes minutos, rapariga?’. Não a ofenda, reflexo. Fernanda está sempre presa na eterna Segunda de Aureliano. Há sempre trabalho e roupas íntimas que não lhe servem.
Adulalções dispensáveis dirigidas com o combustível do moralismo. ‘Estás bonita, Fernanda’, ‘Emagreceste, Fernanda’. “Dê Schopenhauer para eles, menina. Dê Voltaire, dê um pessimismo que vele suas moralidades”. Não... ‘Obrigada, Obrigada’. “Obrigada estarás à hipocrisia, minha querida!”, prosseguia Augusto. Deveria tê-lo sugado a alma, pensa ela. Deveria ter livrado-se de deus, tal qual ele. Assim como viajado para Portugal no colegial e feito a dieta que dona Agda lhe indicou:
- Só proteína, minha filha.
- Mas o que é proteína, dona Agda?
- Ah, Fernanda! Proteína... Tu sabes.
Não sabia. Nunca soube e, a isto, atribuiu seu anti-sucesso. Anti? Não... Estava muito bem. Vivia bem com a mãe. ‘Para que sair pintada assim, menina?’. Assemelhava-se a um palhaço, dizia. ‘Deixe-me, mãe. Não pareço um’. Quiçá não parecesse, mas ao menos não metia medo nas crianças.
Que demonstrasse, no mínimo, calma por estas sobrancelhas. “Este elevador sempre quebra”, dizia o zelador do prédio. ‘E necessitava da minha presença dentro?’, pensou ela. Nem calça, nem elevador, nem sobrancelhas ‘que não fiz esta manhã’. Ele insistia que ela não se encabulasse, porém, não havia resistência perante à humilhação. Foram muitos anos anti-horários até o fim dos pilhas, Fernanda.
Agarrava-se forçosamente à influência dos zodíacos.
- Largue as racionalizações, amor.
Então, por que fostes embora, Augusto? Deixou Fernanda de camisola com um bilhete no espelho.
Desintegrando-se agora, realidade? Logo quando Fernanda consternava-se diante da existência. Diante do reflexo? Por que foste nascer com estas feições de uso? Há mãos por todo o crânio de Fernanda. ‘És airosa, és esbelta’, insistiam as mãos. ‘Por que me trais como um personagem de Shakespeare, reflexo?’. Não obstante aos apelos, dava sucessão aos aspectos da existência linearmente. Deixou-a quando grande em si mesma. ‘Ele foi para capital, filha?’. Não sabia. Ela mesma só desejava a contradição da existência. ‘Eu preciso de mais, Fernanda’. ‘E eu não sei, Augusto. Não sou bruxa. Vou deitar’. E deitou no sofá.
                                                                                Cesar Domity