sábado, 20 de abril de 2013

Reflexões sobre Porto Alegre

         Cheguei na cidade recentemente. Parece tão gasta e rígida como sempre foi em minha memória. Tudo tem gosto e sabor de cinza. Depois de muito ver as pessoas daqui passando pelas calçadas, chego à conclusão que outras de outros lugares que eu tinha como relativamente bonitas devem ser, na verdade, realmente bonitas. Nossos olhos são invadidos pelo turbilhão da desprovisão de beleza que não se repete. Aqueles que passam são quase que gravitacionalmente puxados para um lugar imediatamente ao lado da existência e tornam-se tão inesquecíveis quanto a poeira de cima da estante daquela limpeza de quatro anos atrás.
Cinza certamente é a cor dominante nas cidades grandes em se tratar da América. Todos respiram cinza. Entregam-se ao cinzas. Vestem o cinza. Desta forma, é possível saber quando alguém é de fora da cidade pelo brilho inerente que carrega ao vir de uma cidade pequena. Chegam sonhadores quase como a pisar em Holywood e tudo aos olhos destes interioranos é fascínio. Todavia, ao tempo que se desmancham na vida cotidiana da cidade grande eles também remetem ao emsombreado intrínseco desta cidade que cheira à preocupação e entregam-se às típicas roupagens cor-cinza; vermelho-cinza, azul-cinza, branco-cinza, verde-cinza, etc., exceto pelo amarelo. O amarelo incandescente não se mescla ao cinza da cidade e irrompe a maldita marcha cotidiana gerando uma profunda cefaléia vinda desta porcaria de cor.
Porto Alegre é em total uma insanidade no cotidiano. A cidade por inteira sofre convulsões e é enferma numa síndrome de pulsação incessante. Todos na rua comportam-se como uma veia na testa de um irritado pobre coitado.  Caminham de uma maneira onde a única palavra que se vê passar por entre seus olhos de agônia é desespero. Descem dos ônibus e andam nas calçadas e calçadões como se a morte de alguém que lhe é conhecido e prezado estivesse na próxima esquina e que nada além deste caminhante o pudesse salvar. Porém, a próxima se torna esta e então o desespero recai na próxima e este jogo praticamente interminável das ruas continua até que se entre em um automóvel ou que se vá para casa. Com efeito, se o enigma da esquina fosse alcançado, ver-se-iam sendo enforcados e entenderiam que eles são como um cardume muito bem alinhado que às vezes se dispersa para não morrer na mão de um predador e que em seguida alinham-se como bons peixes que são. Eventualmente morrem. Eventualmente todos morrem mesmo.
Assim como qualquer boa cidade derivada unicamente do capitalismo, Porto Alegre oferece todos os riscos para pedestres e ciclistas - acentuadamente nas partes centrais. São olhos para todos os lados. Os motoristas de cidade grande absorvem os péssimos hábitos de direção que já são bem conhecidos. Um pequena abertura entre dois carros na pista ao lado é o suficiente para interpor-se ao ponto de atrasar o anterior e tomar a posição intermediária entre estes. Os pedestres são, dentre todos os locomoventes da cidade, absolutamente os mais engraçados. São como galinhas com os pescoços esticados, abobados pelo tempo, pelo barulho, pelo cheiro e com atenção muito precisa para os sinais de passe-pare comumente usados nas faixas para pedestres. Com os olhos arregalados, como se estes quisessem saltar da própria órbita, caminham e param. Caminham e param. E, eventualmente, apenas param.
Concordo e admito com aquele que disse que estamos, nós da América Latina, passando por nossa Idade Média. Porto Alegre, por sua vez, alcançou o status de uma Paris do século XIV. Mesmo parecendo muita estranha a atribuição para uma cidade contemporânea, esta definição é bastante aproximada. A cidade tem e atrai arte de todos os tipos imagináveis para o presente como nenhuma outra faz por perto. Apesar disso, outros fatos silenciosamente perturbadores se descarregam em uma cidade grande como esta. Vê-se claramente as classes divididas e o “adagio” para o esperado glorioso amanhã e, destarte, a jovem-idosa cidade senta-se neste toco de continente com poucos semelhantes e tão somente espera. A jovem-idosa cidade sentada espera e sonha com o seu casamento com alguma grande, cultural e rica cidade como Buenos Aires, que mora no país vizinho. Não obstante, as mentalidades provincianas de ambos países temperaram muito preconceito nesta relação para um casamento assim acontecer.
Em muitos aspectos, nossa Paris ainda mantém seus costumes franceses do século retrasado. Os mercados públicos que se espalham pelas grandes abas e viadutos da cidade fazem uso e reuso descomedido de caixas de madeiras que tornam-se insalubres e escurecidas ao longo de poucos dias e nem por isso a deixam de usá-las por meses. Para estes comerciantes, nem quando quebradas estas caixas tornam-se inúteis em vista que se as pode remendar. Os ratos e baratas também são visitantes permanetes das cidades que repousam sobre o subsolo pela maior parte do dia e emergem quando a necessidade se faz presente.
A cidade por toda guarda-se a expõe-se como uma puta cara. Tudo fica à mostra e, não obstante, tudo tem preço. Este é um mal de todas as cidades grandes (suponho). Sabendo o nome do que se quer e tendo como pagar, tudo torna-se tangível. O comprável, pelo seu próprio lado, é uma piada de gosto peculiarmente acre. A locomoção é cara, a moradia é cara, a alimentação é cara, e, como conclusão óbvia do sistema vigente, a vida é cara. Desta forma, não são raros os casos em que a desistência da vida assombra o mundo dos homens e estes põem-se a viver à margem do viver, ou melhor dizendo, em plena sobrevivência. Antes, havia uma constante luta para se viver e, na desistência citada, há apenas a sobrevivência. Sem luta.
E desta maneira, toda a grande célula viva não-orgânica da cidade prossegue com seus pulmões e veias poluídas. Algumas histórias se repetem, algumas pessoas constroem – e batalham pela otimização da saúde desta célula – e outras apenas destroem enquanto chafurdadas nos hábitos que se doutrina no capitalismo descomedido. Em algumas épocas, a cidade toma nova cor e a qualidade de vida se eleva agradando a quase todos, enquanto que em outras épocas, a cidade ajoelha-se na própria existência e a maioria desta maioria - e alguns outros também fora dela – desesperam-se e assumem o cargo de generais da própria luta de sobrevivência. Mas como já disse, a cidade continua. Anda com os passos de um idoso, respirando como um asmáticos e com o miocárdio de um cardíaco.


                                                Cesar Domity

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